terça-feira

Casos: Antoninho Martinez Stefani

No meu tempo...........

Chamava-se Ginásio Estadual de Barbacena. 1950. Fiz o exame de admissão e orgulhosamente fui matriculado na primeira série do Ginásio. Uniforme amarelo, gravata, sapatos pretos, orgulho no coração, lá fui eu para a primeira aula tomar conhecimento dos futuros colegas e professores. Naquele tempo, quando um professor ia entrando em sala, todos alunos se levantavam e esperavam a ordem para se assentarem. Quando aula terminava e o professor ia saindo da sala, todos se levantavam. Era o respeito que hoje.........

Muitas saudades de todos colegas e professores. Vou contar uma pequena história acontecida comigo para que todos vejam a seriedade e a honradez que existiam naquele tempo.

Eu era e sou, ainda, verdadeiro fracasso em matemática e não por culpa dos professores que tive, pois todos eram sumidade no assunto. Meu primeiro professor de matemática no Ginásio chamava-se João Anastácio Pereira da Rocha. Sabia tudo e até demais. Fui reprovado em matemática e fiquei para segunda época. Havia passado em todas outras matérias, mas desprezei a matemática e paguei caro.

Estudei para o exame de segunda época que seria realizado, imaginem só, no domingo de carnaval. Castigo puro para os maus alunos. Precisava de 4,1 para ser aprovado. No sábado caí na farra do carnaval e às oito horas da manhã de domingo fui fazer a prova. Sonolento, somente, pois nunca fui de me embriagar. Quando saíram as notas na quinta feira, corri ao colégio para conferir. Tirei nota 4,0. Havia perdido por um décimo somente. Fiquei estarrecido e fui ao professor Anastácio ponderar. Expliquei a situação e pedi que ele me desse o décimo que faltava para minha aprovação. Primeiro, o professor elogiou dizendo-me saber que eu era inteligente, mas depois, veio o pito: “Não vou lhe dar esse décimo de jeito nenhum. Você tem de aprender a ter responsabilidade e encarar o estudo e estamos conversados”. Fiquei bravo e saí furioso da sala. Não teve remédio e repeti o primeiro ano. Devo confessar que por muito tempo tive vontade de esganar o professor. Mas, consegui formar e após os 4 anos regulamentares, passei para o então primeiro científico.

Não pude, por motivos alheios à minha vontade, completar o primeiro ano. Acabei parando de estudar e fui trabalhar na padaria de meu pai. Somente em 1968, quando já estava trabalhando na EPC do AR, resolvi fazer o antigo Madureza que era os três anos do antigo científico e tentar depois a faculdade. Fui ajudado nessa época, pelo extraordinário amigo e professor Noé de Assis Lima. Devo a ele muita obrigação pelo incentivo e ajuda. Grande mestre! Passei pelo madureza, fiz vestibular na atual UNIPAC, curso de História e formei-me professor em 1972. Um dia logo depois de formado, recebi ordem do comando da EPCAR para trabalhar no setor de confecção das provas dos cadetes. Nesse setor, comecei a trabalhar com o grande mestre Professor José Mendes de Vasconcelos Júnior e também com o Professor Anastácio. Que ironia da vida, não? Mas o tempo passou, fui maravilhosamente recebido no setor e o passado não me perturbou e nem ao professor Anastácio. Tornamo-nos amigos sem nunca tocar no assunto da reprovação que, por muito tempo, considerei injusta. Nessa passagem do tempo ficamos realmente amigos e muitas vezes, fomos pescar juntos.

Certo dia, o Professor Vasconcelos me chamou e confidenciou que o Professor Anastácio estava gravemente doente, apesar de continuar firme no trabalho com toda devoção e seriedade. Numa certa quinta feira, fui convidado pelo Mestre para uma pescaria, convite feito, convite aceito. Saímos cedinho. Chegamos ao lugar e começamos o trabalho. Poucos lambaris na parte da manhã e mais ou menos às onze horas paramos para comer e depois voltamos ao trabalho. Eram três horas, quando o Professor me chamou para tomar um refrigerante acompanhado de um salgadinho caprichado que ele trouxera. Após o lanche ficamos conversando à sombra de uma frondosa árvore, quando o professor me perguntou se eu ainda tinha mágoa dele pela reprovação que ele havia me dado anos passados. Confessei que, na época, eu tinha tido muita raiva, mas que depois a mágoa havia passado e ressentimento nenhum existia. Disse-me ele, então, que durante muito tempo tinha tido remorsos pela bomba dada e, de repente, após segundos de silêncio, onde só o barulho das águas do rio era ouvido, ele perguntou se eu poderia perdoá-lo. Respondi que não havia nada a perdoar e que graças aquela bomba, eu realmente havia tomado juízo. Quando comecei a dar aulas na EPCAR e na Faculdade, compreendi a atitude dele. Novo silêncio e ele falou uma frase que nunca mais esqueci: “Sempre um professor deve agir com a razão e nunca com o coração, mesmo que isso estraçalhe esse mesmo coração.” E então, aquele homem forte, inflexível e justo, estava chorando. Fui a seu encontro e lhe dei um abraço. Chorei também. Saí dali e fui pescar em outro lugar sem ter coragem de olhar para trás. Nada mais conversamos e até durante a viagem de volta, o silêncio foi sempre mais forte que qualquer palavra.

Algum tempo depois, o Professor Anastácio faleceu. Suas lições e sua dignidade nortearam sempre a minha vida de professor e procurei sempre agir com a razão mesmo com coração chorando. A todos meus mestres e colegas da época, minhas saudades imorredouras. Esse tipo de Professor era igual a todos outros da época, exigente, capaz, digno e sobretudo voltado para uma educação que preparava o menino para o futuro com lições de dignidade, sabedoria, amizade e profundo amor que demonstrava por sua profissão. No meu tempo........tudo era diferente.

Antoninho Martinez Stefani

2 comentários:

Unknown disse...

E dessa forma, Prof. Toninho Stefani, o senhor se tornou referência na vida de muitos alunos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo em sua vida escolar.

aprosemonga disse...

Olá. Gostaria de saber se esse seu professor de matemática, que você citou no comentário, ainda está vivo ou se já morreu. Estou a procura de um Anastácio, que foi professor de matemática, aí na região de Barbacena. Se puder me ajudar, agradeço. Obrigado.

WILSON RODRIGUES JÚNIOR
Jornalista - Sorocaba, SP
wilsontem@hotmail.com