segunda-feira

Caso Bica de Chaleira por Francisco Santana

Todo início de ano letivo, os alunos do Colégio Estadual Professor Soares Ferreira, passavam por um exame médico, para avaliá-los se tinham ou não condições de praticar Educação Física. O dr. Amim era o responsável por ele e o fazia esbanjando bom humor, dava conselhos, caçoava e bronqueava, se necessário fosse. Encontrávamos num consultório improvisado quando ele apareceu gritando: “Nossa Mãe do Céu, que cheiro horroroso de chulé que está saindo dessa sala! A uma distância de cem metros se sente o mau cheiro de vocês! Vamos cuidar, porque tá danado! Oh inhaca sô! Acaso vocês sabem o que provoca o chulé? Ele é motivado pela umidade e pelo calor entre os dedos, propiciando a formação de bactérias e fungos que ficam ali se alimentando das células mortas e se multiplicando. Normalmente ele surge pela falta ou pela má higienização dos pés. Vou lhes dar alguns conselhos: A) Evitem o uso de sapatos apertados. B) Guarde-os depois de retirados dos pés. C) Não usem sapatos sem meias. D) Tirou a meia, põe para lavar. E) Prefiram meias de algodão às de materiais sintéticos que fazem os pés transpirarem. F) Antes de calçarem as meias, verifiquem se os pés estão limpinhos e sequinhos principalmente entre os dedos. G) Para acabar de vez com ele usem pó anti-séptico, creme, spray ou medicamentos. Se nada disso der certo, procurem um dermatologista e se mesmo assim o chulé perdurar, procurem um cirurgião e cortem os pés (risos). Entenderam?”.

Além dos pés ele analisava dentes, olhos, ouvidos, mãos, coluna e manchas no corpo. No decorrer tecia comentários do tipo: “Você tem muitas cáries, procure urgentemente um dentista! Que axila cabeluda! Nossa Senhora, que corpo peludo, está parecendo lobisomem, cruz credo! Apare essa coisa! Corpo cabeludo não é sinal de machismo e sim falta de higiene! Após o banho não se esqueçam de colocar debaixo dos braços, desodorante ou um creme porque o cheiro está bravo! Procure um dermatologista para examinar estas manchas que você tem nas costas! Sua coluna está torta, este problema é postural, você deve estar assistindo televisão deitado! Acertei? Se continuar com esse vício vai ficar todo torto ou andar de quatro (risos). Vocês devem aparar as unhas uma vez por semana. Unhas sujas são portadoras de bactérias!”.

A minha turma estava prestes a passar pelo crivo do dr. Amin, éramos veteranos, malandros e maliciosos. Ficamos nus, lado a lado (é claro!) para um exame mais apurado. Em cada semblante uma preocupação. Nesse dia o dr. Amin estava bravo, nervoso, sabíamos que o aluno que tivesse a sua atenção chamada, ficava marcado e conhecido negativamente em todo o colégio. Evitar o constrangimento era a palavra de ordem e necessária. E as recomendações e críticas continuavam: “Puxem o prepúcio! Nossa, que cheiro desagradável! Quando tomarem banho, lavem bem as partes íntimas!” Diante de cada aluno ele fazia um comentário, feliz era aquele que passava ileso.

Foi nesse tipo de exame que o colega JE foi fragorosamente desmascarado. Lembra disso Goretti? JE tinha a mania de grandeza. JE era exibicionista, tanto que carregava no bolso um objeto roliço só para parecer um superdotado e ser chamado de John Holmes. O exame biométrico descobriu sua farsa, ao ficarmos nus, percebermos que o bilau dele era o menor da turma, tanto que ele ficou conhecido como “Zé Pistolinha”.

Voltamos ao nosso exame. O de outro colega marcou sua vida. Perfilados recebíamos os olhares atentos do dr. Amin que de repente parou diante do Campos e exclamou:

- Que é isso meu Deus! O que vejo? Qual é o seu nome?

- Campos, doutor.

- Minha Nossa Senhora, que bilau mais feio Campos! Será que existe algum bonito (rindo)? O seu é feio demais, é torto que nem bico de chaleira. A gente percebe que você está usando muito a mão esquerda. Dá um tempo e passe a usar a direita para ver se endireita ou conserta essa coisa horrorosa! Se continuar assim vai acabar criando mais um conjunto de rock! Credo! Nunca vi na minha vida profissional um bilau tão feio e ridículo!

Todos riram e o nosso amigo Campos passou a ser conhecido por “bico de chaleira”.

Homenagem 120 Anos - Francisco de Santana

Garbosamente, a Escola Estadual Professor Soares Ferreira se localiza na rua Baronesa Maria Rosa, bairro Boa Morte em Barbacena - MG. Sua Arquitetura se esconde entre palmeiras e ipês de flores amarelas e seu patrimônio são seus alunos, funcionários e ex-alunos espalhados pelo mundo que enobrecem e dignificam seu presente, passado, ensino, reconhecimento e amor. O Colégio Estadual, como é mais conhecido, foi feito de tradições e encantos. Fecho os olhos e me vejo numa sala de aula ouvindo as histórias dos professores Nestor Albino, Hélio Figueiredo, Afrânio Nézio e aprendendo o fuso horário com o Ítalo Sogno e Nely Ferreira. Encanto-me diante da oratória do Fernando Victor, comparo o nosso idioma com o latim, ensinado pelo Padre Armando e José Aristides. Aprender português ficou mais fácil com o Joaquim dos Santos, Lucília Allevato, Pupo Nogueira, Ary Coimbra, Fernando Duque Estrada e até com o professor Enós Faria (com esse nome?). Passei a gostar dos números assistindo as eficiências do Manoel Conegundes, Nilza Gomes, Moacir Rocha, Cesário, João Anastácio, Flávio Andrade, Maria José Gorini e Heloísa Pinto.

Criei asas e não voei, criei músculos e não me deformei, harmonizei corpo e mente com as aulas do Delmo Maria da Silva, unida à filosofia do Roberto Cipriano. As ciências biológicas tiveram excelente receptividade no contato com os professores José Amin Feres, Virgínia Vidal e Atos Boratto. A química foi bem balanceada pelas mãos dos mestres João Carlos Machado e João Batista Filho. O que dizer do idioma francês? Fui bem servido pela Maria José Soares Ferreira, Dona Evangelina e Sebastião Garcia. Já que estamos falando em idiomas, o inglês foi aprimorado pela Maria Aparecida Costa e Hugo Paolucci. O espanhol? Pelo Romano Quintão. Bons tempos em que tínhamos na grade curricular a Educação Moral e Cívica, muito bem ensinada pelos professores Ubirajara Bertoletti, Geraldo Faria e Márcio Solero. Música? Sim! Com o mestre Denílton Varandas. As leis de Newton, Kepler, Nórton, Ohm, Charles e Gay-Lussac nos foram ministradas pelo professor Clodoaldo Mota e as artes pelos mestres Hugo Boratto e pela imortal Dona Totoca. Quanta saudade!

Crescemos ouvindo os Beatles, Rolling Stones e as famosas bandas musicais “Os Intocáveis” do José Luiz, Alceu Barbosa, Francisco e Jorge Victor bem como, “Rolling Five” formada pelos alunos José Luiz, Cesar, Savinho, Huguinho, Zelino e Jaime Caiado. Foi uma febre nos anos 60. Barbacena parava no dia 7 de setembro para ver a nossa banda passar. O que dizer dessa incrível e apaixonante fanfarra? Orgulho-me de ter participado dessa elite musical onde cada membro era um artista que desfilava com amor, garra e determinação. A vaidade imperava positivamente – tarol é superior ao surdo que é superior ao bumbo que é superior às cornetas que eram superiores às escaletas. Essa vaidade nos fazia crescer onde cada um dava o melhor de si, sempre acima do esperado. Éramos inovadores, criativos e lançávamos moda. Nossas roupas chamavam a atenção pelas cores e originalidade. O “passo de ganso” era vibrante, lindo e emocionava. Você se lembra do Horácio Santos? Aquele contorcionista que fazia exibições acrobáticas à frente de nossa fanfarra! Que novidade! Que show ritmado eles nos proporcionava! Grande baliza!

No final da década de 60, passamos por momentos turbulentos com o Brasil sendo dirigido e administrado por militares. Por qualquer motivo, o estudante e o professor, sempre visados, chamados de comunistas ou subversivos, eram trancafiados numa prisão e às vezes, pagavam com a própria vida. O Estadual não foi uma exceção e várias pessoas foram repreendidas. Às vezes só por caminharmos sem lenço e sem documentos. Vivemos a famosa fase da “Revolução das Rosas”. Um movimento social chamou a nossa atenção - Tradição Família e Propriedade – TFP, constituído na sua maioria por nossos companheiros. Quem não se lembra da “União Estudantil de Barbacena”? Do “Grêmio Lítero Recreativo Soares Ferreira”? Das famosas salas 14 e 22? Das ex- rainhas Ângela Armond Couto e Marisa Mendonça? Do time de futsal dos anos 68, 69 e 70 que foi imbatível, uma seleção campeã que conquistou muitos títulos, carinho e o respeito dos alunos? Quem não se lembra dos campeões Zazaga, Santana, Leonardo Barato, Paulinho Furtado, Alcenir, Sergio e Luiz Ângelo Galvão, Sérgio Marques, Jésus e José Celso Malta, Otávio Brasil, Saturnino, Jair Brunelli, Milton Quati, Zeca Bezerra, Faria e Paulo Roberto Cunha?

Muitos namoros se transformaram em casamentos que perduram até hoje. Parabéns aos casais João Roberto Quintão de Souza e Dayse Gonçalves, Alcenir e Deise Navarro, José Otávio e Marisa Quintão, Ângela Armond e Roberto Corrière, Marcelo Valle e Eloah Jay, Vicente de Paula Lima e Déa Dias, David Garizo Becho e Yara, Justino e Heloisa Armond, Newton Cláudio Valle e Nancy Hermont, Édson Paolucci e Marília Buscácio. Que beleza! Até que a morte os separe. Salve os inspetores João Trindade, Plínio, Hélio, Luiz, Jovelino, Nicolau, Moura, Manoel Caldas, Dona Emília, Fernando Esteves, Otacílio, José Honório, Dona Lurdes e Sr. Marcos. Como esquecer a Maria Pereira?

A Rádio Correio da Serra era uma espécie de “porta voz” do Colégio Estadual que tinha no seu quadro 90% de funcionários/alunos. Muitos alunos faziam ou interferiam nas programações musicais. Lembro-me dos comunicadores: Vicente de Paula Lima, Tíndaro e Manoel Caldas, Ricarbeni, Gilberto Reis, Luiz Carlos de Melo, Nílton Cúrcio, Dauri Rocha, Francisco de Santana, Roberto Goretti e Márcio Cury.

Hoje, louvo iniciativas de manutenção da história desse Colégio para torná-lo mais coeso, unido num intercâmbio de cultura e aprendizagem. Destaco os colaboradores Sheila Cobuci Doumith e Paulo Sebastião Ferreira que promovem anualmente encontros dos ex-alunos transformando cada participante num elo de uma corrente de amor indissolúvel e inquebrantável. Foi pensando neles que busquei no Aurélio a definição de família.

“São pessoas aparentadas que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. Pessoas unidas por laços de parentesco, pelo sangue ou por aliança.

Ascendência, linhagem, estirpe. Grupos de indivíduos que professam o mesmo credo têm os mesmos interesses, a mesma profissão, são do mesmo lugar de origem, etc.

Comunidade constituída por um homem e uma mulher, unidos por laço matrimonial, e pelos filhos nascidos dessa união. Unidade espiritual constituída pelas gerações descendentes de um mesmo tronco e fundada, pois, na consangüinidade”.

Meus filhos Alexandre Cobucci Santana e Ana Carolina Cobucci Santana estenderam esta definição acrescentando:
“Contudo, por mais que se tente definir em palavras, a família transcende qualquer definição. Isso porque a família está baseada em relações humanas e essas são tão falíveis quanto seus próprios componentes. Portanto, família muitas vezes significa problemas, abandono, omissão, solidão, perda, tristeza, saudade, falhas, divergências e diferenças de valores, ciúmes, inveja, medo e prepotência.

Mas também quer dizer companheirismo, união, força, amor, tolerância, compreensão, perdão, paciência, alegria, ganho, presença e crescimento.

No entanto, palavras são fáceis e o discurso é altivo e eloqüente, enquanto as ações ficam presas, retidas na dureza da rotina, da distância, na frieza do trabalho. Presas até mesmo na vontade ou no pré julgamento de outrem, faltando um ínfimo de movimento para dar-lhes vida. Família é tudo isso, mas creio que família é cultivo. Cultivo de relações, baseadas em sentimentos sinceros e não forçosos ou circunstanciais. Que se afastem os insinceros, mas que se tornem cada vez mais unidos aqueles que carregam consigo o desejo de ser e pertencer a uma família na essência do termo, com seus aspectos negativos e positivos. Assim deve ser uma família, ou pelo menos quase assim”.

Parabéns Escola Estadual Professor Soares Ferreira pelos seus 120 anos de glórias, sempre visando o crescimento interior de seus alunos tornando-os cidadãos honrados, justos e perfeitos. O tempo passou e você continua jovem por possuir a eterna juventude e o poder da transformação. O seu lema continua em nossas memórias, “Perge Juventus” – Avante juventude!